Semana passada fomos velejar. O objetivo era testar a nova vela principal que acabamos de comprar. O Mundinho é um veleiro Ketch, ou seja, possui dois mastros e três velas.
A previsão era passar uma noite ancorados em algum lugar da Baia de Galveston. O vento estava tão forte naquele dia. Seguimos apenas com o motor e ancoramos perto do Houston Yacht Club.
Esta foi a segunda vez que passamos noites ancorados na Baia de Galveston. A primeira vez foi num feriado de Thanks Giving, dois anos passados. Um frio do c... A temperatura estava na média dos 5 graus. Apesar do frio, foi um feriado maravilhoso. Ficamos enroscadinhos, lendo, brincando, tomado café, ouvindo boa música e vendo golfinhos. Frio é bom para velejar.
O problema aqui da Baia é a paisagem ou a falta dela. A Baia é muito extensa e está localizada bem na zona portuária e industrial daqui de Houston. O porto de Houston é talvez o porto mais importante dos Estados Unidos. O visão de enormes guindastes, plataformas de petróleo enferrujadas, navios cargueiros e freeways não é a mais interessante do mundo. Além disso, a profundidade fica em torno de 2 metros, o que nos obriga a velejar dentro de bóias, não permitindo explorar outros cantos. Nosso barco tem quilha retrátil, mas há muito entulho naufragado na Baia por causa do furacão Ike que não aparecem em cartas náuticas. Isso é outra história que não cabe contar agora. Aliás, a temporada dos furacões acaba de de comecar e vai, oficialmente, até o fim de novembro. Nossa partida está prevista para o fim de outubro.
Naquele dia, ancoramos bem em frente do Moody Gardens e do HomeDepot. Cenário de cartão postal!
Dessa vez não foi muito diferente... Podíamos ver enormes guindastes e o fluxo de cargueiros. Lindo!!! Talvez seja este o motivo principal pelo qual não temos tanto interesse em velejar por aqui. Uma voltinha, de vez em quando, para matar a vontade e voltamos logo para a marina.
O vento aumentou bastante sábado à noite, mais um motivo para permanecer-mos ancorados. No dia seguinte, o vento continuava ainda mais forte e decidimos ficar mais uma noite. Não havia pressa. O vento só baixou na madrugada de terça-feira. O barco chacoalhava como uma coqueteleira. A idéia era passar apenas uma noite e acabamos por ficar três noites.
No sábado, dia em que chegamos à marina, fiz uma pequena limpeza nos amários e retirei boa parte dos suprimentos que eu havia estocado no barco. Muitos estavam com o prazo de validade quase vencendo e outros eu sabia que não iríamos consumir. Coloquei tudo dentro do carro. Zarpamos por volta das cinco da tarde, quando o sol estava mais baixo.
O calor aqui no Texas é vulcânico. Para você ter uma idéia, são 9.30 da mahã e está fazendo 31 graus lá fora agora. Sem nenhum ventinho para ajudar.
Eu sempre fui muito exagerada na hora de suprir o barco com alimentos, especialmente para o Auke. Inconscientemente, acho que eu tentava suprir com comida algo que ele poderia estar sentindo falta, pelo fato de não estarmos no conforto de casa. Bom, isso mudou bastante. Eu agora sou bem mais enxuta. Trago bem menos comida, para evitar ter que jogar um monte fora. Dessa vez a comida foi pouca. Não estava previsto passar mais do que uma noite ancorados. A bebida foi a primeira coisa que acabou. Tinhamos água, é claro, mas não mais sucos ou leite. O cereal que o Auke tanto gosta também acabou. O pão mofou por causa do calor e umidade. Macarrão, sopa e burgers de feijão foram os pratos que consumimos. Não tinha nada gostozinho pra beliscar... uma frutinha...um chocolate... perrier...Nada!
Pudemos testar a performance dos novos painéis solares que instalamos recentemente, no que diz respeito à recarga da bateria e do consumo de energia do novo refrigerador, juntamente com outros equipamentos, como laptops, etc. Concluímos que gastamos mais energia do que produzimos. Sempre haverá necessidade de ligar o motor para carregar a bateria.
O calor durante o dia torna tudo mais desconfortável. Você evita ficar do lado de fora por causa do sol. Passar filtro solar é uma desgraça!!! Você fica suando e colando. Peter instalou um chuveiro no cockpit que é uma maravilha!!! Alivia o calor. O Mundinho foi construido na Holanda, onde não faz calor. O nosso barco é bastante ventilado em relação aos outros veleiros que conhecemos. Eu sou brasileira, estou acostumada com o calor. Mas eu vivo no conforto dos Estados Unidos. Casas enormes, com ar-condicionado central. Em todos os lugares que você vai o ar-condicionado é fortissimo. Então você sempre sofre aquele choque de temperatura, o que faz com que você fique mais sensível ao calor. Também, o corpo da gente se acostuma fácil ao conforto.
Se você perguntar: é confortável a vida à bordo? Eu responderia imediatamente: NÃO!!! Não, não é nem um pouco confortável. Na hora de dormir é sempre mais fresco, mais é muito barulhento. O mar faz muito barulho, somado ao barulho do vento, somado ao barulho de coisas batendo, somado ao barulho da madeira quando você pisa... Mas você se acostuma. E passa a gostar. Minha mãe mora na Pereira da Silva com a Gavião Peixoto, quer barulho maior do que esse?
Mesmo assim, eu adoro passar meu tempo à bordo. Eu leio mais, conversamos mais... fazemos coisas que não fazemos normalmente. Ficamos mais calmos. Você se exercita menos... mas exercita muito mais a sua paciência. Você aprende que o respeito ao outro é muito importante. Você aprende a conviver.
"Dizem que sou louca... mas louco é quem me diz que não é feliz... não é feliz".
Por fim, a comida foi suficiente e voltamos à marina na manhã de terça-feira, depois do feriado do Memorial Day (perdi as liquidações fantásticas!!!). Peter ainda foi trabalhar naquele dia.
Porque estou descrevendo tudo isso? Em primeiro lugar, tenho tanto, tanto para aprender. Tantas e tantas coisas para prestar atenção. Tenho tanto, tanto a fazer. Menos, menos que me preocupar com o Auke. Meu menino é uma caixinha de surpresas. Acho que o DNA ancestral viking que ele herdou parece ajudar na hora certa. Ele parece o mais adptado a tudo. Nada reclama. Nada pede. Filho maravilhoso. Pedaço de céu.
A minha experiência náutica não vai muito além das minhas viagens na barca Niterói-Rio.
Tenho que prestar atenção às condições do tempo e nunca subestimar a natureza. Tenho que fazer sempre um bom planejamento dos suprimentos, mesmo que seja para um pequeno passeio. Os imprevisto sempre acontecerão. Ser mais autossuficiente e ler mais e mais e aprender mais e mais... Foi um excelente treinamento.